quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O Livro "Tia Guida". Obrigada eu, André.

Há algum tempo tive o privilégio de receber o André no meu consultório. Foi uma das pessoas que me marcou por ser a prova viva de que aos 22 anos, a idade não é sinónimo de (i)maturidade e que as experiências de vida também não garantem aprendizagens se não as canalizarmos no sentido positivo.

Foi com emoção que muitos meses depois de o ter visto pela última vez, recebi a sua visita na semana passada para me dizer que tinha escrito um livro, o seu primeiro livro, que teve origem na fase mais dolorosa da sua vida – percorrer o cancro com alguém que ama muito e enfrentar a perda. Falou-me que também  escreveu sobre a ajuda que constituiu para ele as sessões de psicologia que tínhamos tido e que esperava que também agora o seu livro pudesse ajudar muitas outras pessoas em situações semelhantes.

Depois de dois dedos de conversa que souberam a pouco, aproveitei para no caminho de regresso a casa começar a ler. Não tinha dúvidas de que o livro seria bom, por conhecê-lo o suficiente para saber que o seu grau de exigência não permitira menos do que isso. Mas conforme percorria as páginas dei por mim a fazer o que apenas faço com livros que me captam a atenção de imediato. Agarrei na caneta e sublinhei uma série de frases que são demasiado fortes e iluminadas para ficarem esquecidas quando arrumamos o livro na prateleira. Frases como “o medo tem medo do riso”, ou “há quem pratique o bem para lavar a alma, há quem pratique o bem para lavar almas e há quem pratique o bem por lhe estar na alma”.

O André não só escreveu sobre o cancro de uma forma natural, muito real e acessível como fez com que esta doença não fosse a parte mais importante do livro. Pode parecer estranho falar nestes termos. Como é que o cancro e tudo o que de terrível e difícil este arrasta pode não ser a parte mais importante?

Ele sabe, assistiu e sentiu na pele tudo o que uma doença tão avassaladora pode trazer.  Explica as dificuldades, o vazio, a perda do sentido de orientação, o medo. Mas inspirado pela força da natureza da sua Tia Guida, o que ele transmite é essencialmente uma mensagem de amor, de esperança, de fé, de amizade, de humanindade e sim, de vida. Da vida que vivemos, da vida que queremos viver, das escolhas que fazemos na nossa vida, do direito a zangarmo-nos com a vida, na aceitação do que a vida nos traz e acima de tudo da vida que só faz sentido quando é partilhada com aqueles que amamos, nas alegrias e nas dificuldades.

Para além disso, achei que a essência do livro ultrapassa esta doença em particular e aplica-se a muitas outras situações de vida que por serem tão difíceis arrasam-nos mas também nos transformam, para melhor. E de que é nas vulnerabilidades que podemos encontrar as nossas maiores forças. É, por isso, um livro para todos, um livro sobre o ser humano.

Da parte que me toca, mas certamente não a única que me tocou, o André partilha o momento em que procurar ajuda tem muito mais de coragem do que de fraqueza. Deixo aqui apenas o conjunto de alguns excertos:


"Nunca na vida tinha sido a favor de psicólogos. Sempre achei que existia um número excessivo de pessoas a recorrer à ajuda dos ditos especialistas, quando na verdade não tinham esgotado todas as alternativas que possuíam, desde o apoio familiar, ao apoio dos amigos e principalmente ao seu amor-próprio. Pois é. O que nunca me ocorrera é que, se calhar, em certas fases da vida, essas alternativas se esgotam e que a única solução é a ajuda de um especialista. Nunca me ocorrera que até as minhas alternativas se esgotaram. O equilíbrio que que sempre me caracterizara estava a perder-se. E isso assustou-me como nunca. Sentia-me um fardo para os outros e sei que, mesmo sem o dizerem na altura, os outros já me sentiam como um fardo, por não mais saberem o que me dizer para me ajudar a encontrar o caminho. Torturava-me a mim mesmo, por ter consciência da espiral em que estava a entrar, mas por não conseguir perceber porque motivo tal estava a acontecer.

Tomei coragem - porque sim, é precisa coragem para se reconhecer a necessidade de sermos ajudados, principalmente quando sempre fomos aquele tipo de pessoa que ajuda todos sem nunca precisar de ser verdadeiramente ajudado - e procurei o apoio de um especialista. Uma especialista para ser mais concreto. E foi a melhor coisa que podia ter feito.

Uma jovem psicóloga que, desde a primeira consulta, me conseguiu ajudar a compreender tudo o que se estava a passar. Decifrou-me, decifrou o problema e, nessa sua capacidade, fez-me sentir normal! Por isso, ser-lhe-ei eternamente grato.

Finalmente tudo fazia sentido. E um bocadinho de sentido ajuda tanto, nas alturas em que tudo parece não o fazer. Ainda frequentei mais algumas sessões de psicologia e nunca me senti um fardo. É que, além de estarmos a ser ajudados por especialistas, estamos a ser ajudados por profissionais a quem está a ser pago um serviço, o que, por isso mesmo, não nos fará sentir como um fardo, liberando-nos do peso de estarmos a ser aborrecidos para os outros, um peso que ainda atrasa mais a nossa recuperação."
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Uma das coisas que me realiza muito nesta profissão é ter a oportunidade de conhecer pessoas que para além de me confiarem as maiores intimidades das suas vidas, de certa forma trazem-me um pedaço de mim própria. Nas múltiplas gavetas de sentimentos que todos temos nesta condição humana, é como se cada um me abrisse uma gaveta diferente. Não só as ajudo a arrumar as gavetas como nesse processo e quase sem dar conta dou por mim a arrumar as minhas. Esta organização emocional nunca tem fim, nem neles nem em mim, mas saber que contribuí para aumentar a capacidade de alguém ser mais feliz é por si só o motor da vontade de continuar, mesmo que por vezes, deste lado, também nos seja doloroso olhar para as gavetas que temos cá dentro. No fundo, não são só os psicólogos que “curam” os pacientes. Estes também curam os psicólogos. E é por isso que quando nos agradecem a ajuda que prestámos através dos nossos serviços, resta-nos agradecer de volta.
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Porque como o André diz num capítulo sobre partilha: "Quando partilhamos algo estamos, estamos a encontrar no outro o refúgio que já não encontramos em nós mesmos e, em simultâneo, estamos a permitir-lhe também a ele que encontre em nós e na nossa experiência uma espécie de abrigo Em ambos os casos, ensinamos e aprendemos uma das lições mais fundamentais de todas na vida: não estamos sós."
 
(O livro pode ser comprado em qualquer FNAC ou através do site da editora. A página  do facebook AQUI)

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